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  • Valeria

Lindo depoimento de jovem que sofreu bullying


Com vocês, Vanessa Bencz:

O BULLYING DA CANETA VERMELHA

Burra. Tansa. Distraída. Insuficiente.

Não: nenhum desses é o meu nome. Meu nome é Vanessa.

Ter o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) fez a minha infância e adolescência um pouco traumatizantes. Eu não tive o sorriso tranquilo daqueles estudantes que tinham orgulho de seus boletins. Eu me retorcia de agonia na cama, todas as noites, pensando na tortura que eu viveria na manhã seguinte na escola. O processo de tentar estudar para provas, respondê-las e depois recebê-las com uma nota baixa foi a tortura lenta que vivi por 10 anos. O desprezo dos colegas e a tristeza confusa dos meus pais eram ainda piores do que o rótulo de “aluna insuficiente”.

Certa vez, na segunda série, aos oito anos de idade, nossa professora nos passou a seguinte tarefa: escrever uma carta para um parente que morava longe. Escolhi como destinatário a vó Lenita, que mora em Rio do Sul (SC). Escrevi na cartinha que estava morrendo de saudades e que ela seria bem vinda para nos visitar; minha família poderia organizar um churrasco e acolhê-la com todo o conforto.

Lembro-me que eu estava insegura quando entreguei esta redação para a maldosa caneta vermelha daquela professora, que parecia não ir com a cara de ninguém. No dia seguinte, a mesma professora protagonizou um espetáculo horroroso que ficou marcado como uma queimadura na minha auto-estima. Ela selecionou as cartinhas que ela julgou serem as piores e leu na frente de todos, com deboche e frieza. Eu estava torcendo para que o meu texto inocente não estivesse no meio daquelas vítimas.

Mas estava.

Lembro-me que ela começou a ler a minha carta com ironia, dando tons frios para aquelas palavras que escolhi com carinho. Enquanto lia minhas frases, a professora me olhava com sarcasmo. Como em um desenho animado, senti que eu diminuía cada vez mais na minha carteira, até sumir. Eu não tive coragem de contar isso para os meus pais. Com menos de uma década de vida, eu não soube lidar com essa humilhação.

No mesmo dia, a professora entregou as redações para seus respectivos autores. Ao entregar a minha, disse com frieza: “sua letra é horrível. Tem praticado caligrafia?” Gaguejei e não consegui responder. “Anda, fala, ficou muda? Sua tansa!”.

Dias depois, a professora chamou meus pais para conversar sobre o meu desempenho insuficiente. Lembro-me de como ela recebeu meus pais: com um sorriso simpático e inocente que ela nunca usava conosco, estudantes.

A professora se referiu a mim como “tansa” durante todo o ano. Meus colegas também adotavam o adjetivo para me chamar de vez em quando. Eles achavam super engraçado. Eu supunha que tinha algo de errado comigo por sentir vontade de chorar ao invés de rir como eles. “Devo ser uma tansa mesmo”. Essa foi a raiz da minha timidez, característica que me deu o maior trabalhão nos anos seguintes. Mas trabalho mesmo foi conseguir me olhar no espelho sem ver essa palavra escrita na minha testa.

Mudei de escola no ano seguinte. Encontrei outros professores mais criativos que me deram nome e sobrenome: garota distraída. Os colegas, igualmente imaginativos e maldosos, arranjaram os apelidos que você leu no começo desse texto.

A timidez para falar com estranhos durou dez anos; os apelidos foram perdendo a força quando entrei no ensino superior e a letra horrível eu carrego até hoje.

No comecinho da faculdade de jornalismo, revivi a situação do professor que seleciona a redação para ler em público. Quando o professor Álvaro Larangeira começou a ler um texto meu para a turma, senti que eu estava diminuindo na minha carteira. Assim que ele terminou a leitura, pediu palmas para aquela redação que ele julgou excelente. A menina de oito anos ficou feliz em arrancar da testa o apelido escrito com a letra da professora malvada.

Anos depois, uma grande amiga que é professora me convidou para conversar sobre literatura e jornalismo com a turma dela. De frente para 40 adolescentes desconfiados que me olhavam de cima a baixo, perdi a fala. Gaguejei como a menina de oito anos que fui; senti insegurança como a garota distraída que sou. Os segundos transcorriam e o meu silêncio parecia aguçar a curiosidade dos estudantes. Desesperada, apelei para algum tipo de empatia. O que consegui falar foi:

- Levanta a mão quem alguma vez já tirou nota zero!

Com uma explosão de risadas por parte da turma, me surpreendi com a erupção de mãos que foi ao ar. Brincando e interagindo, abri o meu coração para aquela turma. E para a turma seguinte. E para as 50 turmas que conversei durante os meses subsequentes. A garota distraída estava mais para garota feliz!

Hoje, olhando para trás, sinto mágoa. Fico triste por concluir que aqueles profissionais da educação, além de estarem despreparados para lidar com uma estudante diferente, incentivaram o bullying dentro da escola. Acho que, no meu caso, o estrago não foi tão grande – com criatividade, aprendi a lidar com esses fantasmas transformando-os em contos e crônicas. Mas… e o restante das pessoas? Como se viram aqueles que, além de agressões verbais, sofrem ou sofreram violências físicas e ameaças? Como se sente aquela pessoa que, por causa do bullying, mira um revólver para a própria cabeça?

Não tenho coragem de saber.


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